sexta-feira, 12 de março de 2010

Vocação Contemplativa na Igreja



A Vocação Contemplativa é um mistério humano e divino, um mistério desconcertante, impenetrável à razão pura do homem, e belo, cheio dessa beleza indescritível do Sobrenatural, que preenche, deslumbra e perde o olhar da alma que o vive... por dentro!
Não é fácil falar da Vida Contemplativa, como não é fácil falar, adequadamente e sem falhas, de Deus e da Igreja , principalmente dessa Igreja escondida, a Igreja que se cala, que se apaga, que se aniquila, que perscruta os segredos de Deus e que gozosa e apaixonadamente se submerge no próprio escondimento do Criador. Dela emerge uma sabedoria única, uma louca sabedoria que confunde e não raro escandaliza quem a observa de fora.

“...Uma só coisa é necessária, dizia Jesus a Sta. Marta. Maria escolheu a melhor parte que não lhe será tirada” (Lc. 10, 42-43).
Escutar Jesus com todas as potências e faculdades da alma, seguir o Mestre que passa a cada instante e que segreda “renuncia-te a ti mesmo, toma a tua cruz e segue-Me”, e escalar com ousadia, criatividade, coragem e santa teimosia a elevada montanha do Evangelho, permanecendo aos pés do divino Senhor, na intimidade dilacerante d’Aquele que é Amor, que dá amor e que só pede amor... é este o universo imenso da Vida Contemplativa.

Sim, a Vida Contemplativa é um insondável Mistério de Amor! O amor não se explica, não se descreve, não se reduz a palavras. Por natureza, o amor é desprovido de razões, ele próprio é a razão de si mesmo, o seu princípio e o seu fim. “Amo porque amo e amo para amar”, dizia S. Bernardo e diz toda a alma contemplativa. Quem poderá entendê-lo?
Mistério do amor de Deus..., mistério desconcertante que quanto mais se descobre, maior e mais infinita se lhe reconhece a imensidão do Desconhecido... O Amor contempla-se e perde na contemplação aquele que O contempla.

“Fixa o teu olhar no espelho da eternidade, deixa a tua alma banhar-se no esplendor da glória e une o teu coração Áquele que é encarnação da essência divina, para que, contemplando-O, te transformes inteiramente na imagem da Sua Divindade”, escrevia Santa Clara a Santa Inês de Praga.
Há aqui um império de silêncio que é todo o dinamismo incessante da vida contemplativa e que é também a alma e o coração do Corpo universal da Igreja de Cristo.
Só o amor é, só ele age, só ele cria e recria todas as coisas, só ele é a vida da Igreja continuamente a fluir, do “interior” para o “exterior” e do “exterior” para o “interior”, por todos os seus membros.

O amor é a contemplação e a acção da Igreja, primeiro é contemplação e só depois poderá ser acção: apostolado dos sacerdotes, acção dos missionários, missão variadíssima dos fiéis leigos, força que gera virgens, mártires, confessores... Tal é a energia invisível e invencível que brota cristalina, punjante de força, da fonte escondida... da Vida Contemplativa. Por isso, escrevia Santa Clara numa das suas cartas: “Considero-te colaboradora do próprio Deus e um suporte dos membros mais débeis do Seu Corpo”.
Profecia de Deus no meio do mundo dos homens, a vida contemplativa é sinal da presença misteriosa de Deus. Ela é o segredo oculto da Igreja, a sua “arma secreta”, uma espécie de mística chama permanentemente a arder e a exalar perfume de incenso sobre o Altar Divino.

Dentro da Igreja, a vida contemplativa é o universo do amor que dá a vida, que comunica vida a todo o momento e que renova a própria vida. Ela possui uma linguagem própria, uma Linguagem diferente de todas as linguagens e idiomas do mundo: o Amor de Deus! Ela tem um único Alimento, uma Força apenas e uma Energia singular: o Amor de Deus! Ela não tem nada e possui tudo, um Tudo infinitamente grande e imensamente rico: o Amor de Deus!...
A Vida Contemplativa é o coração da Santa Igreja. Só é possível falar do coração falando de coração, ou correríamos o risco de deturpar a sua própria essência.

O coração é um músculo vigoroso, um músculo que trabalha e que reza, que se esconde no interior e que se cala, que bate silenciosamente, que leva a vida a todo o lado, que renova e purifica a seiva vital e que... desaparece misterioso “entre muros”! Isto é a vida contemplatina na Igreja.

O coração da Igreja é pequenino, de uma pequenez desconcertante, e ao mesmo tempo ele é imensamente grande, possui uma grandeza absolutamente admirável. Encerrado no reduzido espaço da Clausura, diríamos sorrindo “um Sacrário”, o coração da Igreja (a Vida Contemplativa) abarca o mundo inteiro, abraça a humanidade de todos os tempos (passado, presente e futuro) e enche e preenche todo o universo. E se fosse apenas isto seria ainda pequeno, de uma ínfima pequenez. Se o coração da Igreja desce aos abismos mais obscuros e esquecidos da humanidade, chegando aos confins da terra, com uma energia radiante e poderosa ela sobe às alturas, rasga o “impossível” e... vive com Deus, para O louvar, adorar, desagravar e amar, com amor profundo, intenso e apaixonado...

Culto a Deus e santificação da humanidade, é este todo o dinamismo da Igreja, Igreja contemplativa e activa, que se desenvolve, cresce e ramifica, numa imensa e incessante Liturgia Sagrada...
Dizia Jesus a Santa Teresa de Ávila: “Que seria do mundo, se não fossem as comunidades contemplativas?”

A Vida Contemplativa é a vida eternamente jovem do espírito. Quem a abraça, abraça a altíssima Pobreza e torna-se a pessoa mais rica do mundo; quem a escolhe, escolhe a santíssima Castidade, e descobre uma maternidade nova, fecundíssima, universal; quem a elege, elege a ousadia soberana da Obediência, torna-se imitador d’Aquele que foi “obediente até à morte”, servo humilde e amante de Deus, servo tão poderoso que atrai a complacência, o favor e a amizade do Omnipotente; quem nela penetra, penetra no misterioso mundo do Claustro, rompe com todas as rotinas e desejos mundanos para embrenhar-se na mais vertiginosa aventura do desconhecido: aventura toda divina!

A Vida Contemplativa é um mistério de fé. Porque se acredita ama-se, e porque se ama, vive-se: vive-se Deus! A radicalidade do Evangelho vivido com amor, com verdade e com penetração interior é o alto desafio, desafio sempre novo, desconcertantemente novo, que se desenrola, ardente, forte e sublime, na arena escaldante e sossegada do Claustro. Aqui a alma religiosa luta permanentemente, em “combate” aceso e singular, luta consigo mesmo e luta com o próprio Deus, numa batalha imensa, com princípio mas sem fim... luta de amor..., para que Deus seja Tudo em todos...

A fé vê aquilo que os olhos não vêem, toca aquilo que as mãos não alcançam, saboreiam aquilo que os lábios não tocam, escuta aquilo que os ouvidos não ouvem e aspira o perfume que o olfacto não descobre. O Claustro é todo ele habitado por uma Presença viva, Presença forte e radiante que escapa ao universo dos sentidos: Deus. É Ele o centro da Igreja, Claustro infinitamente misterioso, belo e imenso, mergulhado no eterno silêncio da contemplação, da adoração e do amor da Santíssima Trindade.

A vida Contemplativa é simplesmente isto: Deus em nós e nós em Deus. Toda a luta que aqui se desenvolve, luta que empenha o ser, a alma, o corpo, a vida e a morte, é cumplicidade do amor. E o amor... é feliz!