domingo, 27 de dezembro de 2009

Uma presença orante

No coração do Mistério


Liturgicamente, celebramos mais ou menos conscientes, com maior ou menor intensidade espiritual o grande acontecimento do nascimento do Filho de Deus. Cidade e aldeias vestiram-se de luzes, música e cores. As pessoas celebraram segundo as suas convicções religiosas este grande acontecimento que marcou e marca a história da humanidade. Mas deste extravasar de festa exterior o que é que ficou no coração e na vida das pessoas, na concreta dos cristãos? Este grande mistério que recordamos e festivamente celebramos é como uma pequena semente: lançada em terreno propício dará muito fruto “ora trinta, ora sessenta ora cem por um. Porém, se cair entre os espinhos, pedras ou no caminho, por mais sagrada que seja, nada produzirá.

Contudo para nós cristãos, surge em cada fim de ano como momento de graça, como uma lufada de ar fresco, uma ocasião propícia para redescobrir o nosso lugar, a nossa vocação no coração da Igreja à luz das lições aprendidas e apreendidas a partir deste acontecimento. Desde há 2000 anos que os discípulos deste Menino, Deus-connosco encontraram o seu lugar próprio e especifico no centro deste mistério. Desde há 2000 anos que também os Sacerdotes, cada sacerdote, estão no coração deste Sagrado Mistério. Todos os dias são Natal graças ao seu ministério sacerdotal.

Todos os dias, os Sacerdotes fazem nascer sobre o altar, de simples capelas ou catedrais, o Filho de Deus, o Verbo da Vida. Tal como a Virgem Mãe O deu ao mundo, naquela fria gruta de Belém há 2000 anos, também, hoje, as mãos ungidas e sagradas dos Sacerdotes nos oferecem em cada Eucaristia Esse Menino, feito para nós Luz do mundo, Verdadeiro Pão da Vida. Que o homem todo se espante, que o mundo todo trema, que o Céu exulte, quando sobre o altar nas mãos do Sacerdote está Cristo, o Filho de Deus Vivo (S. Francisco de Assis).
Com um secreto brilho no olhar e a alma extasiada, tal como S. José, também os Sacerdotes ante este sagrado Mistério eucarístico se ajoelham e reverentemente adoram o Filho de Deus.
Pela proclamação da Palavra tornam-se os grandes anunciadores da Boa Nova como os Anjos naquela noite fria mas tão luminosa “como na terra nunca viste”. Também eles hoje anunciam ao mundo, aos homens de boa vontade a mensagem da esperança: hoje nasceu para vós um Menino. Se são protagonistas desta boa nova também são fiéis ouvintes como os pobres pastores.
Também eles correm pressurosos a levar os seus presentes e adorar o Recém-nascido presente sobre o altar tão real e perfeitamente como está no Céu e como esteve outrora reclinado na manjedoura. É o mesmo Jesus o mesmo Filho de Deus.

Pela simplicidade, pureza, dignidade e fidelidade de vida, cada Sacerdote torna-se um verdadeiro missionário deste grande acontecimento, deste sublime mistério da Encarnação do Verbo de Deus. Como os pastores começam a espalhar tudo o que lhes tinham dito a respeito daquele Menino, glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham visto e ouvido (Lc 2,17.19). Um dia perguntaram à Madre Teresa da Calcutá quais eram as pessoas mais necessárias na terra. Sem qualquer hesitação respondeu: Os Sacerdotes. Sim, graças aos Sacerdotes, todos os dias é Natal.
Graças aos Sacerdotes, todos os dias, a Igreja celebra em cada Eucaristia este grande Mistério. Graças aos Sacerdotes todas as noites da humana criatura se reveste de pontos luminosos de esperança porque, em cada dia, um Menino nasce para nós, um filho nos é dado. Graças aos Sacerdotes todos os dias, a todas as horas, em todos os minutos nos podemos aproximar deste Menino, outrora reclinado no presépio e hoje presente nos sacrários das nossas igrejas e, com humildade e confiança, adorar o nosso Deus, falar-Lhe, escutá-l’O, oferecer-Lhe presentes abrindo-Lhe ao mesmo tempo as mãos e o coração para receber os seus dons. Graças aos Sacerdotes essa estrela que há 2000 anos brilhou em Belém de Judá não se extinguiu ou jamais se extinguirá. Continua a brilhar na escuridão da noite e a conduzir todos os homens de boa vontade que de coração sincero continuam à procura do Deus Menino.

Sim, verdadeiramente os Sacerdotes, cada Sacerdote, estao no coraçao deste grande, sublime Mistério do nascimento do Filho de Deus. Sim, graças aos Sacerdotes, cada dia em cada Eucaristia podemos exclamar: HOJE É NATAL!

sábado, 19 de dezembro de 2009

Claustro
“A Voz que clama no deserto”

Quem poderá imaginar que a verdadeira vida, a vida pungente de vida, vida profética, evangélica, divina... nasce no silêncio da oração? Jesus parte para o deserto e mergulha no silêncio imperscrutável do Eterno Pai. Atrás d’Ele vai João Baptista, uma multidão imensa de profetas, padres, monges... desde a antiguidade até aos dias de hoje.

O que haverá de atraente no deserto?
Que novidade ou que beleza nele se encerra???

O deserto contém, no mistério que o habita, o deslumbramento temeroso da montanha, a imensidão longínqua dos oceanos, o ardor sempre novo do Espírito e... uma “solidão” imensa, uma “solidão” silenciosa e dialogante, uma “solidão” ardente, desejável, gozosa... a solidão com Deus.


O deserto é o confronto do homem consigo mesmo porque é encontro do homem com Deus.
Há um grito indizível, um clamor, uma voz que se eleva do “silêncio” do deserto; uma alegria penetrante tão viva e tão forte que se torna peculiar, diferente e única; há um ardor, uma chama, uma ousadia, uma juventude... que clama e convida, que insiste e desafia.


O deserto é o lugar das núpcias, o lugar da aliança, o lugar da grande cumplicidade entre Deus e o homem. “Tem que haver uma cumplicidade entre a nossa liberdade e a liberdade infinita de Deus”, dizia um autor. Desta cumplicidade nasce o deslumbramento inigualável do eternamente novo. Novidade infinita! Novidade que é toda ela Beleza, Beleza inebriante, Beleza que ultrapassa tudo, Beleza inefável e indefinível porque é... perfeição infinita!


O deserto não é apenas caminho de morte: mais do que tudo, ele é caminho de Vida. Acima do Sol que domina toda a imensidão arenosa da “paisagem”, sente-se o Amor mais que ardente do Omnipotente. Este Amor queima, transforma, purifica e renova, recria todas as coisas... tudo! Amor imenso que É e que dá sentido ao ser, Amor que é Vida e que dá vida, vida em plenitude...


O deserto é uma escola de vida e, porque o é, é também escola de consciência, de fraternidade, de solidariedade e de acção cívica. É uma escola onde se aprende a amar, onde se aprende a ser verdadeiramente homem e mulher. É uma escola onde se aprende a lutar, onde se aprende a enfrentar os verdadeiros desafios da vida... e onde se aprende a vencer a batalha da existência!


Não há luta como aquela que se desenrola no deserto. É uma luta de amor, de amor apaixonado e louco, amor que só se sacia no ardor insasiável de se dar, de se oferecer sem medida, de se entregar sem reservas, no tempo e na eternidade.
O deserto é activo.


A paz silenciosa que o habita está repleta de actividade, de vida, de uma energia desconcertante, criativa e ousada que é toda a alma invisível do mistério que o preenche. É uma espécie de seiva invisível mas vital; uma seiva que vivifica, renova e revigoriza; uma torrente que se precipita, verdadeiramente imparável, porque o amor... não pára nunca.
O deserto é também uma nascente cristalina, pura e suavíssima; uma nascente de águas ardentíssimas, misteriosas águas de fogo que correm incessantemente para banhar a alma, regar todas as almas... para abraçar e abrasar o universo inteiro.


O deserto é um império de luz, um império imenso, de uma imensidão a perder vista, um império que esconde nas suas sombras (nas sombras da sua alma verdadeira) aquela Luz divina, Luz mais brilhante que mil sóis..., aquela Luz Eterna que tudo invade, tudo cria e a todos chama, com a voz profunda e desconcertante do silêncio... cada um pelo seu nome.
É aqui, neste lugar aparentemente árido, agreste e sem vida que o Baptista, o filho de Isabel e de Zacarias encontra o ambinte propício para se preparar para a missão grandiosa de Precursor do Messias. É aqui, no deserto, que se enterra o homem e surge o profeta, é aqui no deserto que se cala o ruído e fala o silêncio, é aqui no deserto que morre o efémero e que nasce a Eternidade!!!


A voz que clama no deserto não é outra senão Voz de Deus. É a voz silenciosa, mística e eterna de um Sacrário, de uma Igreja... de um Mosteiro!
Sim, tal como o deserto, também o Mosteiro é local de encontro, lugar de confronto, uma região ardente, habitação do silêncio, aparentemente árido..., mas repleto de vida. O Mosteiro é deserto e é montanha, contém em si a imensidão e o deslumbramento...
O Mosteiro é silêncio e é voz de Deus, é paz que luta, é amor que se dá sempre mais; é vida que grita contra o materialismo sem alma, que denuncia a mentira dos ídolos do poder, do ter e de tantos falsos prazeres..., é presença viva que sacode o indiferentismo e que rasga todo o império da morte.


Há uma pergunta que se repete vezes sem conta entre as pessoas que nos visitam: “Porque sorriem tanto as Irmãs?” A resposta é simples: Deus habita e preenche o Claustro. Deus renova-o e nele se alegra. Deus está, reina e impera... e a alegria, a mais pura e verdadeira alegria faz-se presente, torrencial, desconcertante, inesgotável...
No trabalho como na oração, na simplicidade da vida fraterna e nesta aventura imensamente feliz de amar até ao dom total; no deserto do silêncio escondido e na montanha mística do grande encontro com Deus... Jesus é o Mestre, o Rei absoluto e o Esposo muito amado dos corações. É esta a sabedoria e é esta a grande loucura das nossas vidas.


No segredo incontestável da presença misteriosa e “incómoda” do Mosteiro, sabemos que fala, com a mais eloquente linguagem do amor, a sempre profética e incansável... “Voz que clama no deserto”.